A homenagem
 



Contos

A homenagem

Renato Almeida


Como todo pai que aguarda o nascimento do filho no hospital, Ari não conseguia conter a ansiedade. Mas suas defesas contra bombardeios emocionais estavam em dia, ele sabia. Na véspera, elas haviam passado por dura prova, quando assistira pela TV à final da Copa do Mundo. Somados o tempo regulamentar, a prorrogação e as cobranças de penalties, foram quase três horas de batimentos cardíacos acelerados. A tensão, plenamente recompensada, só tivera fim quando o chute de alcance estratosférico de Baggio (pobre rapaz; depois da conquista, taça na mão, era possível até apiedar-se do rival), libertou enfim o grito de campeão preso por vinte e quatro anos na garganta. Uma felicidade coletiva, apesar de sabidamente inútil e efêmera, varria os quatro cantos do país, numa confraternização festiva de dimensões incomuns.

Para Ari, a conquista também significava a doce obrigação de cumprir a promessa feita meses atrás, precisamente ao saber o sexo do bebê que a esposa, Adele, esperava: Sagrando-se o Brasil campeão, batizaria o herdeiro, um menino, com o nome do principal jogador brasileiro na época - Romário - que voava pelos gramados europeus, fascinando a todos com suas manobras e gols. Tido como um dos prováveis protagonistas do mundial, confirmaria sensacionalmente aquela expectativa, pois além de campeão, deixaria a competição como vice-artilheiro e carregando o troféu de melhor jogador.

Não houve surpresa quando Adele, no dia seguinte à conquista, sentiu as primeiras contrações. Ratificava as previsões médicas, que indicavam o nascimento entre os dias 16 e 18 de julho (Ari torceu para que, caso o Brasil chegasse à final, no dia 17, o filho não nascesse naquele dia. Queria viver uma emoção de cada vez para usufruí-las plenamente).

Agora ele estava ali, aguardando, ainda embriagado pela euforia do título (a outra embriaguez, causada pelo álcool, já se fora, deixando uma leve ressaca), esperando o anúncio do nascimento. Não demorou, embora lhe parecesse o contrário.

- Parabéns - disse-lhe o médico, depois que a porta do quarto se abriu e um enfermeiro o chamou. - Correu tudo bem. O senhor é pai de uma linda menina.

- Como é que é?

Surpreso com aquela reação, o médico não soube o que dizer.

- Uma menina? - insistiu Ari.

- Sim, uma menina.

- Mas os exames diziam que era um menino. A gente esperava um menino.

- Esse prognóstico não é meu - defendeu-se o médico, encostando a porta e baixando a voz para que a mãe não os ouvisse. - Apenas fiz o parto. A análise por ultrassonografia não é infalível. - Pensou em dizer Sinto muito, mas percebeu que seria de mau gosto e se calou. - Não vai entrar para ver sua filha?

- Vou sim. Me dê só dois minutinhos, por favor.

Quando Ari entrou no quarto não havia o mínimo resquício de decepção em seu rosto. Encantou-se genuinamente com a cena da esposa no leito, segurando a filha junto ao corpo.

- Amor - disse Adele quando o marido se aproximou. Ela parecia levemente embaraçada. - É uma menina.

- Sim, uma menina linda.

- Mas, amor, nós planejamos...

- Vamos trocar tudo, comprar roupas novas, redecorar o quartinho, tudo que for preciso pra receber bem a nossa princesinha.

- E o nome? Você não tá pensando em chamar nossa filha de Romária, tá?

- Claro que não, já tenho outro. É muito bonito e, de certa forma, também homenageia a seleção.

- Outro? Qual é, amor?

Ari estufou o peito e soltou a voz:

- É TETRA! É TETRA!


RENATO ALMEIDA nasceu em Belém do Pará, mas reside há mais de quatro décadas no estado do Rio de Janeiro. Matemático, músico e profissional de TI, começou a escrever em 2020, levando adiante um projeto há tempos concebido. Como primeiro passo, inscreveu-se no Curso Online de Formação de Escritores, da Metamoforse, e logo teve um de seus contos selecionados para a coletânea A vida aqui não é fácil. De lá para cá tem produzido assiduamente, sempre atento à busca pelo domínio e aperfeiçoamento das técnicas literárias, a fim de pô-las a serviço de seus textos. Participa do Curso Online de Formação de Escritores.

 

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